Colunistas Sala Pastoral

A Dor e o Sofrimento de Jó

Introdução

 O livro de Jó é um grande desafio para o pensamento humano. Vários teólogos, como Carl Gustav Jung e William James, tentaram decodificá-lo e não conseguiram. Calvino era um grande admirador deste escrito. Dos 700 sermões transmitidos por ele, 159 foram baseados no patriarca de Uz. Muitos estudiosos, baseados neste texto, tentam explicar o mistério do sofrimento e da dor, mas sem sucesso.

Algumas particularidades encontradas no livro de Jó

       Apesar de Jó ser um homem íntegro, reto e temente a Deus (Jó 1.1), isto não impediu que ele passasse por grandes sofrimentos.

       O livro de Jó é o oposto da Teologia da Prosperidade, a qual afirma que os homens de Deus não passam por dificuldades financeiras.

       O livro de Jó ensina-nos que não podemos associar o sofrimento ao pecado. Entendemos que este pode gerar aquele, mas não é sua única causa.

O livro de Jó faz-nos lembrar dos judeus no Holocausto, das vítimas da fome na África, dos cristãos em prisões marxistas e em países islâmicos, dos inocentes que são massacrados por sistemas totalitários, das tragédias ocasionadas pelas enchentes, desmoronamentos, maremotos, terremotos, etc. das mortes causadas pela fome e pestilência, como a atual pandemia que tem causado prejuízos incalculáveis à humanidade.

Em tempo de tragédia e calamidade, é fácil dizer que se trata de castigo de Deus, a fim de que sejam dadas explicações catastróficas à dor humana. Os discípulos de Jesus também pensavam assim, quando perguntaram ao mestre quem havia pecado: o cego de nascença ou seus pais. Cristo respondeu que nem ele e muitos menos seus genitores, mas aquela anomalia foi concedida para que o nome de Deus fosse glorificado (Jo 9.1-3).

Os amigos de Jó condenaram-no, porque o julgaram transgressor (Jó 8.4-6; 11.13-15; 22.21-25). No término do livro, Deus os reprova, quando afirma que eles não falaram a verdade (Jó 42.7). Bildade, Elifaz, Eliu e Zofar tinham respostas prontas e previamente estabelecidas para falarem sobre a dor, mas a fórmula que utilizaram não era a correta.

A principal questão não é o sofrimento em si, mas o dilema da fé

Jó não conseguiu entender o porquê do seu sofrimento e questiona os critérios da justiça de Deus, mas jamais da sua soberania, pois é o Todo-poderoso quem governa sobre todos os acontecimentos, por mais assustadores que sejam (Jó 19.6,8).

Jó sabia que sem Deus ele não tinha para onde ir, pois foi o Criador que permitiu a vinda de todo aquele sofrimento sobre sua vida (Jó 21.4).

O teólogo Philip Yancey declarou: “A questão central do livro de Jó não é a dor, mas como interpretar a dor à luz do sofrimento. Isto é desafiador. A questão não é o que você enfrenta, mas como interpreta os eventos de sua vida; afinal, o mesmo sol que derrete a cera endurece o barro. No meio do sofrimento muitos se apostatam da fé e outros se tornam gigantes na fé. Por esta razão, existem tantos mártires. A dor não é problema central, mas a fidelidade”.

Mesmo assim, Deus pode ser amado, quando não nos abençoa?

O livro de Jó fala da relação do homem com o seu Criador. Satanás questiona a possibilidade de Deus ser amado sem dar algo em troca ao ser humano. Ele insinua que as pessoas só se aproximam dEle por motivos egoístas, ou seja, por causa dos favores e bênçãos recebidos. Mas, se o Todo-poderoso retirar o favor, os homens ainda assim serão fiéis e lhe darão louvores.

No livro de Jó encontramos dois tipos de espiritualidade:

1º) A que corresponde em fé a Deus, por causa dos benefícios que dEle se recebe. Se as coisas não andarem conforme o esperado, a fé não é válida. Neste propósito encontramos os empiristas, os pragmáticos e os adeptos da Teologia da Libertação.

2º) A que segue outra direção, quando se crê em Deus e coloca-se nEle a confiança e esperança, a despeito das circunstâncias, se são favoráveis ou não. Nesse modelo, o adorador não corre atrás da bênção de Deus, mas do Deus da bênção. Ele não retribui porque recebe algo de Deus, mas porque o ama.

Estes dois modelos são claramente representados por Jó e sua esposa. Ele glorifica a Deus em seu sofrimento e ela declara: “Por que conservas ainda a tua fidelidade? Amaldiçoa a Deus e morra”. Esta declaração dela sugere, portanto, que se a bênção não vem, não há motivo para se seguir ao Todo-poderoso, e o melhor é desistir dEle.

Jó dá-lhe a seguinte resposta: “Temos recebido o bem do Senhor; não poderíamos também receber o mal? Deus deu, Deus tirou; bendito seja o nome do Senhor”. A adoração dele não está baseada em benefícios nem em barganha, mas unicamente no relacionamento que é possível desenvolver com Deus apenas pelo amor.

O certo é que Deus procura as pessoas com fé autêntica e permite a Satanás que faça o mal que desejar a Jó, pois mesmo assim ele continuaria a amá-lo mesmo sem recompensa, saúde e riqueza. O homem de Uz estimava o Todo-poderoso pelo que Ele era, e não pelo que dEle recebia.

Jó não desiste de Deus. Ele prefere viver com o paradoxo, quando a fé parece impossível, que negar sua esperança, conforme sugeriu sua esposa (Jó 2.9). No momento em que a fé parece impossível é exatamente quando mais precisamos dela.

       Deus não explica seus motivos

Deus não responde aos “porquês” de Jó. Por sete vezes ele questiona os motivos do Criador, mas o Todo-poderoso não responde a nenhum deles. Antes, coloca os olhos de Jó em outra questão mais importante. Ele lhe indaga por 42 vezes: “Quem?”

Yancey afirma: “Ironicamente, Deus entra na história como uma tempestade avassaladora … mas evita completamente o tema do sofrimento. Entre Jó 38-41 parece que Deus está tentando levar Jó a colocar seus olhos na criação. As perguntas que lhe faz sobre ‘quem’, demonstram que desejava mostrar que o fato de ser Jó tão limitado, que não era capaz de responder as questões do universo físico, como seria capaz de entender os mistérios e compreender o universo moral?”

Jó parece entender isto posteriormente: “Na verdade, falei do que não entendia, coisas maravilhosas para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).

       Reflexões

Devemos ficar calados diante do mistério de Deus e da dor

Percebemos que enquanto os amigos de Jó ficaram calados, foram extremamente solidários e efetivos; o mal deles foi tentar explicar o inexplicável. No final do livro de Jó, vemos algumas considerações sobre Deus que nos levam a refletir sobre sua grandeza (Jó 36.26; 37.5).

       Evitemos respostas simplistas sobre a dor e a morte

A reação de Jó às respostas que seus amigos lhe deram e a tentativa de explicar os acontecimentos, reflete bem como podemos nos equivocar no afã de dar respostas (Jó 16.1-3).

       Aprendamos a ser solidários diante do sofrimento

Os amigos de Jó, enquanto não falaram, foram extremamente sábios e empáticos (Jó 2.11,13). Na hora da dor, a presença, o abraço, o ouvido, é melhor do que a palavra em si. Não precisamos dizer nada, explicar o que não sabemos, mas necessitamos ser solidários. E isto é muito efetivo.

       Entendamos que Deus tem a última palavra

Jó traduz os fatos (Jó 42.3). Deus dá a última palavra sobre Jó e seus amigos (Jó 42.7). Jesus sempre tem a última palavra. O Senhor nos abençoe para entendermos e ficarmos calados diante do Todo-poderoso e de situações que vão além da dor.

Pr. Antonio Mardonio

Antonio Mardonio Nogueira Vieira, pastor, jornalista, teólogo (estudou nos seminários católicos da ordem dos padres diocesanos nas cidades do Crato/CE e Fortaleza/CE), colunista, ex-comentarista da EBD (CPAD), coautor da História das Assembleias de Deus no Brasil publicada em 1981 (quando a denominação completou 70 anos), ex-chefe dos departamentos de Livros e de Escola Dominical da CPAD, ex-coordenador do CAPED, formado em Letras e Pedagogia, ex-diretor pedagógico da FAESP, atual pastor do Setor na Vila Formosa, São Paulo/SP, ex-presidente da AD em Mogi Guaçu/SP, ex-dirigente dos setores em Santana de Parnaíba/SP, São Bernardo do Campo/SP, Cajamar/SP, Embu Guaçu/SP, todos pertencentes ao Ministério do Belém, 1º vice-diretor e editor- chefe do Ceifeiros em Chamas.