Contos Missionários

Maçãs Missionárias

Um conto sobre o contexto socioeconômico da igreja evangélica em Cuba

Jair se preparava para mais uma viagem missionária. Visitaria Cuba pela segunda vez. O objetivo da viagem era visitar os obreiros cubanos que são apoiados em parceria pela Secretaria de Missões do Ministério do Belém, pela SEMEADO (Secretaria de Missões da Assembleia de Deus Osasco) e SENAMI (Secretaria Nacional de Missões) e assisti-los em suas necessidades. Enquanto se ocupava separando, livros, Bíblias e demais materiais que usaria em suas pregações e estudos bíblicos, sua esposa Elizabete cuidava das bagagens. Ela, ciente de que maçã é a fruta predileta de Jair, carinhosamente separou cinco delas, embalou-as e as guardou em uma bagagem de colo. Horas mais tarde o pastor Jair Felisbino despediu-se da esposa Elizabete e da filha, então, partiu.

As maçãs e o pastor Jair alçaram voo. Fizeram conexão no Peru e enfim chegaram em Havana. A capital de Cuba se parece com um museu de carros clássicos a céu aberto que se deslocam de um lado para o outro. Cuba impressiona por sua beleza natural, mas assusta pelos contrastes sociais. Quase seis décadas se passaram desde que o governo de Fidel Castro implantou o regime socialista, mergulhando a ilha num caos econômico.

Pastor Jair Felisbino , a esquerda, ao lado do missionário cubano Elie

O governo de Castro se mostrou ferrenho com as igrejas, restringindo a liberdade religiosa. Nos anos 1960, quando a revolução socialista nascia em Cuba, o reverendo Juan Francisco Naranjo, cumpriu pena de dois anos num campo de trabalho por pregar o evangelho. O ateísmo crescia com a revolução tornando os que acreditavam em Deus em suspeitos. Cristãos que viveram o calor da perseguição, relatam que encapavam suas Bíblias com papel pardo para camuflar o livro.

Mas, embora o governo cubano tenha tentado amordaçar a igreja, um movimento invisível aconteceu. Sem templo, sem lugar sagrado, nos moldes dos tempos dos apóstolos, cristãos se reuniam em casa, de modo que a presença evangélica se manteve. Hoje, mesmo com o reconhecimento da liberdade religiosa por parte do governo, o direito de construir templos ainda não foi outorgado. O pr. Jair Felisbino, que é um dos pastores auxiliares da Assembleia de Deus em Osasco/SP encontrou esse contexto: Cultos em lugares improvisados, casas, mas com pessoas gratas pela salvação em Jesus.

O país caribenho está em um momento de transição, e algumas restrições têm caído. Porém Cuba está longe de se tornar um lugar de igualdade. São cicatrizes da filosofia socialista. As maçãs que saíram do Brasil na bagagem do Pr. Jair é um exemplo disso. “Lá em Cuba, uma maçã custa caro, dois dólares, que equivalem 20% do salário mínimo, o que equivale a U$ 10 ao mês para viver, cerca de R$ 56,00”.

Mais números denunciam que viver em Cuba é um esforço diário. O salário mínimo não ultrapassa U$ 25,00 ou R$ 94,00. O trabalhador sobrevive com menos de R$ 100,00 para sustentar sua família, além de sofrer com a alta do preço dos produtos e com o desabastecimento. O Pr. Jair Felisbino, revelou mais alguns números que revelam a luta do cubano para sobreviver. “Um cubano para comprar 1 kg de carne de porco precisa trabalhar nove dias. Para comprar 1 kg de arroz o cubano precisa trabalhar 3 dias. O custo de 1 kg de carne bovina moída custa U$ 7,00”, disse.

Na província de Matanzas, em Cárdenas, onde residia o casal de missionários Alexander e Nolvis, Jair se apressou em desfazer as malas ansioso para entregar as doações aos obreiros cubanos. Foi quando se deu conta das maçãs. “Vi uma sacolinha com cinco maçãs e sou apaixonado por essa fruta, e por incrível que pareça, não senti vontade de come-las naquele momento.” No dia seguinte partiram em direção à Guisa para dar início a missão de assistência aos missionários. Em La Tunas os missionários pediram para o motorista parar o veículo ao avistarem uma banca que julgaram ser de tomates. Desceram e em pouco tempo retornaram com as mãos vazias e sorrindo. Curioso, Jair interpelou Nolvis sobre o ocorrido. Ela respondeu. “Pensamos que fosse tomates, mas eram maçãs e um cubano não tem condições de comprar maçãs”. A viagem seguiu e a equipe permaneceu ali por três dias.

Ao Retornarem para casa, após a longa viagem, no quarto, Jair pegou sua bolsa e retirou a sacolinha com cinco maçãs. Sem pensar, tomou a fruta em sua mão e quando foi abocanha-la, lembrou-se da cena recente. Imediatamente, levou as frutas para Nolvis. “São para você”.

O dia de retornar ao Brasil chegou e Jair, ao lado dos demais companheiros, haviam cumprido a missão. Passaram dez dias em Cuba, visitaram obreiros, conheceram a situação em que viviam. Compraram algumas bicicletas para a locomoção dos missionários e não restava nada além de se despedirem. Nolvis pediu a palavra.

O pastor Jair pensou que ouviria alguma palavra profética, mas Nolvis apenas fez menção das maçãs. “Estive orando por três meses para que meu filho Elias pudesse provar uma maçã. Ele tem 10 anos de idade e conheceu a fruta através da programação da TV espanhola e sempre que via a fruta, nos pedia”. Gratos a Deus, todos choraram reconhecendo que Deus enxerga as necessidade de seus filhos nos mínimos detalhes.

Elias provou as maçãs e ainda pôs em prática os ensinamentos da palavra de Deus ao dividi-las com seus irmãos e um amigo. A história das maçãs missionárias que saíram do Brasil para matar a vontade de um garoto de dez anos, retrata um pouco da triste realidade econômica em Cuba e o quanto a população e a igreja cubana necessitam de apoio e constante oração.

Dario Ferreira

Jornalista, editor do site e jornal Ceifeiros em Chamas.