Entrevistas

O destino do Líbano

Vista de Beirute antes da explosão de 4 de agosto
CEIFEIROS entrevista o Pr. Reinaldo Santos

A explosão no porto de Beirute, Líbano, no dia 04 de agosto mergulhou o país em mais uma crise de sua história. Entrevistamos o pastor Reinaldo Santos, diretor da Sat7 Brasil, que já esteve em Beirute antes desta tragédia. Esta entidade é um canal dedicado a produzir conteúdo de qualidade e a levar o Evangelho aos árabes e persas.

O senhor já esteve em Beirute antes do trágico acidente. Quais experiências dessa viagem pode compartilhar conosco?

Pr. Reinaldo Santos no Líbano

Sim, estive em Beirute várias vezes antes da terrível explosão que foi noticiada nas últimas semanas. Esta cidade, a capital do Líbano, é incrível, muito antiga e contém um mix das principais religiões do Oriente Médio. Com influência francesa, que se percebe em algumas palavras que eles usam no dia-dia. Logo na chegada, a gente se sente perdido, pois não há muitas pessoas que falam inglês; então, para situar-me, foi complicado, pois não conseguia facilmente algumas informações e como era o funcionamento das coisas, ou seja, o acesso à internet, a forma de locomoção, etc. Passado o distúrbio do “estar perdido” na chegada, entendi que em Beirute a Uber funciona muito bem e os motoristas todos falam inglês; isso facilitou a vida. Os libaneses são muito amistosos e divertidos, amam com grande admiração o povo brasileiro e gostam do nosso futebol, o que me abriu as portas para falar com eles (o google tradutor ajudava nas emergências). O tema religião é muito sensível, pois historicamente houve uma guerra civil, a qual teve como pano de fundo a religião. Mas no pós-guerra houve o entendimento. Por isso, cristãos maronitas, ortodoxos, protestantes, mulçumanos sunitas e xiitas relacionam-se muito bem, com o respeito mútuo entre eles mesmos. Fiz amizade com muitos sunitas e xiitas; todos são pessoas agradáveis, dados à amizade, desejosos de conhecer o Brasil. Comi com eles nas ruas, visitei onde moram, fui ao templo religioso deles, queria conhecer a forma como viviam. A cultura está profundamente ligada à religião, e, na qualidade de visitante, considerei ser prudente manter as conversas em coisas da vida, família ou outros temas. Estive no estúdio da SAT-7 e verifiquei que é muito organizado, bem-planejado, ativo, dinâmico; fiquei realmente impressionado.

Pr. Reinaldo faz reifeição com libanês

O que muda no Líbano após essa tragédia?

Muitas pessoas pensam no Líbano como se fosse o fênix, aquele pássaro da mitologia egípcia que sempre renasce da cinza. O país vinha com problemas estruturais em sua economia, já há alguns anos, com vários levantes populares e uma juventude que exigia mudanças no modelo político que governa o país. A explosão destruiu muitas casas, estimam-se 300 mil pessoas afetadas e insumos perdidos em grande volume. Além do temor do futuro, há a dura realidade do presente. Vários ministros de Estado pediram demissão de seus cargos e uma nova eleição acontecerá em breve. Neste cenário, haverá a disputa pelo poder e a necessidade de reconstrução. É um momento tenso, pois a história de uma guerra civil recente apavora, só em pensar nesta possibilidade para o futuro. Creio que se intensificará a crise econômica; muitos jovens, que puderem, deixarão o país, e, ao final, mesmo com o sofrimento do presente, o Líbano se reerguerá outra vez.

Hotel Holiday Inn atualmente
Marcas da Guerra Civil 1975 a 1990

Do seu ponto de vista, que mudanças essa tragédia trará para o Líbano em sua relação com Israel?

Observo que as relações entre o Líbano e Israel não são as melhores, mas percebi um aceno do governo Israelense de solidariedade ao povo libanês nesta explosão e creio que se a ajuda dos judeus tornar-se significativa, uma nova página poderá ser escrita na relação entre estas duas maravilhosas nações; oro por isso. Os conhecidos conflitos entre estes dois países deixaram muitas sequelas e esta situação de hoje pode ser uma grande oportunidade para ambos refazerem uma ponte de fraternidade sobre o abismo da inimizade.

O Líbano é um país hostil ao Evangelho?

Na verdade, proporcionalmente, o Líbano é o país onde há mais cristãos no Oriente Médio. Sobre hostilidades religiosas na região, historicamente elas foram multifacetadas, de várias origens; todas têm certa dose de responsabilidade: sunitas, cristãos, xiitas, todos são responsáveis pelas hostilidades. A grande questão do Evangelho naqueles países, inclusive no Líbano, é o entendimento de que a Palavra de Deus é muito mais ampla e profunda do que uma questão religiosa e cultural. Por isso, quando falamos da pureza, da beleza, do perdão, da graça, da aceitação, da esperança que há no Evangelho, ele é sempre muito bem aceito; recebemos muitos pedidos de oração. Mas, se pensarmos na pregação de forma meramente cultural e religiosa e não tomarmos o devido cuidado com questões culturais de quem nos ouve, poderemos enfrentar hostilidades. A SAT-7 está ali há mais de 20 anos na comunicação do Evangelho, e, ao fazê-lo, nossos irmãos têm achado graça aos olhos do povo, indiscriminadamente.

O grupo extremista Hezbollah oferece alguma ameaça aos cristãos?

Eu estive na região onde o Hezbollah atua, perto de Zahle, próximo da Síria; conversei com várias pessoas dali e membros da organização. As restrições e ameaças que o Hezbollah oferece, são muito mais direcionadas ao povo da “Palestina Ocupada” (Israel) do que aos cristãos. As questões estão ligadas à defesa territorial. Um de seus membros disse-me que conhece muitos cristãos que compõem as forças paramilitares do Hezbollah, por conta desta questão política da defesa do território libanês.  Obviamente, precisamos considerar que o Hezbollah é uma força paramilitar (e também um partido político) que atua no Líbano, apoiado pelo Irã; logo está alinhado com a vertente xiita do Islã. Na revolução islâmica de 1979, o Irã (que não é um país árabe, mas persa) deixou de ser uma monarquia e tornou-se um regime teocrático. Durante o período da invasão do território libanês feita por Israel, o Hezbollah exerceu a função de defesa do Líbano, quando atacou os soldados Israelenses com métodos não convencionais e extremos, como, por exemplo, o uso dos “homens-bomba”.

A SAT7 teve prejuízos em seus estúdios após a explosão?

Perdas menores, como pequenos estragos, pois estamos a 13 km do local da explosão.

A SAT7 tem algum plano para alcançar o coração dos libaneses com uma mensagem de esperança?

Sim! Esta é a vocação da SAT-7: trazer a mensagem de Jesus, que fala de paz, esperança, aceitação, amor, união, etc. Operamos sob o tema “For Líbano” (pelo Líbano) em vários dos nossos programas, como, por exemplo, a mensagem “Você não está sozinho” (You are not alone). (Acesse ceifeiros.org.br/resiliencia-heroismo-e-fe-no-libano e conheça as histórias de fé vividas por cristãos no Líbano).

Qual a importância de Beirute para a SAT7?

É a partir de Beirute que produzimos mais da metade de nosso conteúdo em árabe; é onde está localizada nossa maior propriedade. Este local foi uma doação feita por um irmão, um empresário com sua família há alguns anos. Firmaram um compromisso com o Senhor, ao combinarem entre si (sua família): “Ao final de cada ano, fechamos as contas, compramos o que precisamos e todo o restante doaremos para missões”. Resultado: O Senhor os abençoou muito, e, naquele ano, eles, conhecedores do trabalho sério que a SAT-7 faz, doaram-nos o suficiente para a compra de 90% do terreno e do prédio.