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O significado da escolha de Barrabás

Imagem de Michaił Nowa por Pixabay

Estimulados pelo brilhante artigo do irmão Gesiel de Paula por ocasião do resultado eleitoral para a Presidência da República em 2022[1], fomos nos debruçar sobre este episódio bíblico que representou a consumação da rejeição de Jesus por Israel e, assim, interrompeu o curso do tempo para a redenção de Israel, consoante revelado a Daniel (Dn 9.24-27).

Vemos, de pronto, que a escolha de Barrabás atrasou a redenção de Israel, foi um obstáculo para a sua salvação, para que ele se tornasse o reino sacerdotal e povo santo, consoante o propósito divino para sua criação (Êx 19.5,6), fazendo dele uma nação espalhada, à deriva, que haveria de sofrer imensamente, fora de sua terra e sob implacável perseguição.

“Barrabás”, cujo nome, em aramaico, significa “filho do pai”, estava preso, porque havia se envolvido em um motim, no qual matara uma pessoa (Mc 15.7; Lc 23.25).

Em primeiro lugar, é interessante observar que seu nome em aramaico corresponde ao nome hebraico “Acabe”, que foi o nome de um dos piores reis de Israel, que, não só contribuiu para manter o povo afastado de Deus com os pecados de Jeroboão, como intensificou a idolatria, casando-se com a princesa de Sidom, Jezabel, e trazendo para Israel o culto a Baal e Aserá, que se tornou o culto oficial do país (1 Rs 17.29-33).

Este nome revela um sentimento de independência da pessoa, pois ao se afirmar que, se é “filho do pai”, tem-se um individualismo, um certo egocentrismo, pois a pessoa se apresenta como alguém dissociado da própria nação, da própria linhagem, “in casu”, descendência proveniente de Abraão, uma descendência criada por Deus de modo sobrenatural, para se apresentar como o “filho do pai”, aquele que pode subsistir por si próprio, que entende ser “dono de si”, que pode viver independentemente do Senhor.

Neste passo, portanto, já vemos aqui que Barrabás, já pelo seu nome, traz uma proposta totalmente contrária à do Senhor Jesus que era o “Filho do homem” (Mt 16.13) e o “Filho de Deus” (Lc 1.35), Aquele que não tinha vontade própria, mas cuja razão de ser era fazer e cumprir a vontade do Pai, d’Aquele que O enviou (Jo 4.34; 17.4).

Por isso mesmo, Barrabás era um revolucionário, pois havia se envolvido numa sedição, num motim, o que nos leva a entender que se tratava de um zelote, o grupo que havia sido criado por Judas, o galileu, por volta do ano 6 d.C., que pretendia libertar os judeus do domínio romano pela força das armas e que foi se fortalecendo até chegar a liderar a revolta que culminou com a destruição de Jerusalém e do templo no ano 70.

Todo revolucionário é alguém que crê que pode mudar a sociedade, mudar o mundo pela sua própria força, a fim de gerar um “mundo justo”, que é o mundo conforme as suas ideias, as suas concepções.

Todo revolucionário, portanto, é, precisamente, alguém que prescinde de Deus, que ou não crê na Sua existência, ou que Ele intervenha no mundo e que, portanto, é o homem quem deve se esforçar para dar nascimento a “um mundo melhor”, que, como sabemos, sempre é pior do que o que havia, dada a pecaminosidade do homem que, agindo de modo revolucionário, estará sempre se rebelando contra a ordem, contra o próprio Deus, já que estará dando ouvidos à mentira satânica, contada desde o Éden, de que podemos ser iguais a Deus (Gn 3.5).

Barrabás era alguém que cria que os judeus tinham de se rebelar contra os romanos, adquirindo para si a independência política, sem levar em conta que aquela servidão tinha sido imposta por Deus por causa da impenitência do povo (Ne 9.36,37) e que a libertação viria mediante a obediência ao Senhor e ao recebimento do Messias, que era quem iria libertar o povo.

Barrabás, portanto, não se rebelava contra Roma, mas contra o próprio Deus, rejeitando os próprios desígnios divinos como também o meio trazido pelo Senhor para a restauração da liberdade, para o fim da servidão.

Quando o povo escolhe Barrabás, escolhe este caminho da independência em relação a Deus, o caminho da revolução, o caminho do uso da força humana, a total descrença no Senhor e o resultado foi não só a interrupção do processo de salvação do povo, como a própria destruição, porque, em vez da liberdade, a revolução, a violência pregada pelos zelotes trouxe a destruição de Jerusalém e do templo e a consequente dispersão do povo judeu, que ficou longe da sua terra por 1.828 anos e, ainda hoje, não a ocupa totalmente e tem sua maior parte espalhada pelas nações.

Hoje em dia, não é diferente. Os defensores da revolução, os inimigos da doutrina bíblica têm também sido escolhidos ou impostos sobre as nações e os que se atrevem a fazer menção do senhorio de Deus e de Seu Cristo são fortemente atacados e hostilizados.

O caminho revolucionário é o caminho apropriado do “mistério da injustiça” (2 Ts 2.7), do “espírito do Anticristo” (1 Jo 4.3) e é ele quem tem dominado cada vez mais o cenário político, social e econômico do nosso planeta, que se encontra às vésperas da instalação do governo mundial que representará a culminância desta ação maligna sobre a face da Terra, “um tempo de angústia qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo” (Dn 12.1).

Mas Barrabás não era apenas um revolucionário, era também ladrão, um salteador (Jo 18.40).

No seu afã revolucionário, Barrabás não fez questão de respeitar o direito de propriedade e não atentou para o mandamento “não furtarás” (Êx. 20.15; Dt 5.19), tomando os bens alheios, e com violência, pois era “salteador”, ou seja, aquele que subtrai com violência os bens dos outros.

Quem é revolucionário, tem a revolução como meta, como alvo, como objetivo e, para atingi-lo, usa de todos os meios possíveis, sejam lícitos, moralmente aceitáveis, ou não. Como diz o pensador marxista norte-americano Saul Alinsky (1909-1972), grande guru da esquerda dos Estados Unidos, “a questão nunca é a questão, é a revolução”.

Como diz o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho (1947-2022), a “mentalidade revolucionária” “… é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ultrapassada, só tendo satisfações a dar ao “tribunal da história”. Mas o tribunal da história é, por definição, a própria sociedade futura que esse indivíduo ou grupo diz representar no presente; e, como essa sociedade não pode testemunhar ou julgar senão através desse seu mesmo representante, é claro que este se torna assim não apenas o único juiz soberano de seus próprios atos, mas o juiz de toda a humanidade passada, presente ou futura. Habilitado a acusar e condenar todas as leis, instituições, crenças, valores, costumes, ações e obras de todas as épocas sem poder ser por sua vez julgado por nenhuma delas, ele está tão acima da humanidade histórica que não é inexato chamá-lo de super-homem…”[2]

Assim, todo revolucionário, como era o caso de Barrabás, cria para si uma moral, pode fazer o que bem quiser, desde que isto seja para o bem da mudança que pretende instaurar na sociedade.

Ele ignora totalmente a Deus e a Sua Palavra, e as Suas ordens.

Barrabás era um ladrão, alguém que, em nome da mudança que pretendia realizar para o “bem” do povo judeu, se apropriava de bens de outras pessoas, tomava para si o resultado do trabalho alheio, não só ele, mas todo o seu bando.

A criminologia, ciência que estuda o crime e os criminosos, indica que o ladrão é dos delinquentes o que de menor índice de recuperação, porque estabelece para si um “modus vivendi” que depende da atividade criminosa e sem a qual a vida como ele a concebe se torna impossível.

O ladrão é alguém que tem como meta tão-somente a posse de bens, que vê a vida como algo exclusivamente terreno e que quer ter o máximo conforto sem que seja necessário trabalhar, querendo viver exclusivamente do esforço alheio, do trabalho dos outros.

O ladrão, diz-nos o Senhor Jesus, vem para matar, roubar e destruir (Jo 10.10) e era isto, precisamente, o que fazia Barrabás. Ele roubava e tinha por meta destruir a ordem estabelecida, para criar uma “nova ordem”, mas ele e seus partidários levaram o povo judeu à destruição, sem que se estabelecesse a era de paz prometida.

Em nossos dias, não é diferente. Os revolucionários são ladrões, que expropriam a população que passam a governar, exploram-na, vivendo nababescamente e os maiores casos de corrupção que já houve no mundo, que tiveram lugar em nosso país, mostram como os nossos revolucionários são os maiores ladrões da história da humanidade.

O ladrão, porém, está no caminho oposto do Senhor Jesus. Ao falar do ladrão, Jesus estava fazendo, precisamente, a distinção entre Ele e o ladrão, mostrando que, bem ao contrário, Cristo não só nada toma que não seja Seu, como dá tudo o que tem pelos outros, a começar de Sua própria vida (Jo 10.17,18). Ele veio para dar vida e vida com abundância (Jo 10.10).

Ao escolher Barrabás, o povo escolhia um ladrão, alguém que não lhes dava o mínimo valor, que queria viver às custas deles, dominá-los, enquanto Jesus queria lhes dar a verdadeira libertação (Jo 8.36), restituir-lhes tudo, a começar da vida de cada um, que estava sendo ceifada pelo ladrão.

Jesus queria restabelecer a comunhão daquela gente com Deus e garantir-lhes a eternidade, mas eles preferiam aquele que lhes prometia um paraíso na Terra, a abundância de bens materiais, sem saber que tal abundância seria tão-somente para os ladrões que enganavam a multidão.

É muito elucidativo que quem instiga a população a pedir Barrabás sejam os principais dos sacerdotes e os anciãos (Mt 27.20), que, teoricamente, seriam opositores de Barrabás e de seu grupo, já que eram beneficiários da dominação romana e, em nome dela, aliás, haviam acusado Jesus perante Pilatos (Mt 27.11,12; Lc 23.2,3).

Mas não é surpreendente que isto se tenha feito. A elite judaica também vivia da injustiça, tirava vantagem da dominação romana, dela se aproveitando para ter vantagens terrenas: poder, fama e dinheiro.

Embora Barrabás quisesse tomar o lugar deles, tinham eles amor às mesmas coisas que Barrabás e, portanto, o problema era menos de valores e interesses e mais de posição. Lutavam pelo domínio, não pelos valores.

Deste modo, diante da oposição aos valores de Jesus e não aos de Barrabás, tinham mesmo de se unirem ao “filho do pai” e retirar a “ameaça”, Aquele que lhes causava inveja (Mt 27.18; Mc 15.10), para não correrem o risco de se virem privados de uma sociedade injusta que os beneficiava.

Hoje, não é diferente. Os “donos do mundo”, a elite econômico-financeira do mundo, trabalham ativamente contra o Evangelho, contra a Igreja, porque querem a manutenção da sociedade injusta em que dominam e, para tanto, não titubeiam em apoiar os “revolucionários”, pois estes não querem a retirada da injustiça, mas dela se beneficiarem.

A escolha de Barrabás é a escolha pelas coisas terrenas, é a opção pelo “paraíso na Terra”, é render-se à tentação satânica e preferir a glória dos reinos deste mundo em detrimento das mansões celestiais (Mt 4.8,9; Lc 4.5-7).

Mas Barrabás também era um homicida (Mc 15.7; Lc 23.19). Aqui vemos que, para atingir seus objetivos, Barrabás não tinha qualquer escrúpulo, tanto que havia matado uma pessoa, violando mais um dos mandamentos, que é “não matarás” (Êx 20.13; Dt 5.17), o primeiro mandamento da segunda tábua, o mais importante mandamento com relação ao próximo.

Barrabás não tinha a vida como algo precioso, algo que somente Deus pode tirar (1 Sm 2.6).

Quem não valoriza a vida humana está na contramão do pensamento divino, o doador da vida, Aquele que quer que não só tenhamos a vida biológica, mas a vida eterna, que é a comunhão com Ele para sempre (Jo 10.10).

Barrabás era homicida, aquele que via a morte como algo normal e necessário para que se atingissem seus objetivos. Como todo ladrão, tem como objetivo matar, roubar e destruir (Jo 10.10).

É alguém que mata e usa a morte como instrumento para conseguir o que quer. É, assim, alguém que a mesma natureza do diabo, homicida desde o princípio (Jo 8.44).

Nosso Senhor e Salvador é bem o oposto. Ele veio dar vida e entregou a Sua própria vida para que pudéssemos viver em função da Sua morte (Jo 10.17,18).

A escolha por Barrabás é a opção pela morte, pela destruição. Veja que o povo, ao optar por Barrabás, logo quis a crucifixão de Jesus e que Seu sangue fosse derramado sobre eles e seus filhos (Mt 27.22,25), mostrando, com isso, que estava envolvido pela morte, que tinha a morte como seu objetivo, seu desejo.

Nem poderia ser diferente, pois quem rejeita a Cristo, que é vida (Jo 1.4; 14.6), só pode aceitar a morte, só pode querer a morte, pois só existem estas duas alternativas: ou vida, ou morte (Dt 30.19).

Não é de se admirar, portanto, que os revolucionários e os integrantes da elite que se unem a eles sejam os defensores daquilo que o Papa João Paulo II (1920-2005) bem denominou de “cultura da morte” e que está a dominar, cada vez mais, o cenário mundial.

Daí a defesa de pautas como aborto, eutanásia, homossexualismo, contracepção, ambientalismo, sempre tendo, por objetivo final, direto ou indireto, o desaparecimento da humanidade do planeta.

A escolha por Barrabás trouxe aos judeus a morte não de Jesus, que morreu, mas ressuscitou ao terceiro dia, mas, sim, a destruição da sociedade judaica e o seu espalhamento por todas as nações da Terra; a destruição do templo, que prossegue sendo um sonho para Israel e a morte de milhões e milhões de judeus ao longo de todos estes séculos de diáspora e, desde o retorno a Canaã, de estado perene de guerra para a manutenção da fração do território já recuperada.

Os inimigos de Cristo pensam poder “matar Jesus”, mas não conseguem fazê-lo, pois o Senhor Jesus é vida (Jo 14.6). Assim, ao atacarem a Igreja, que é o Corpo do Senhor, serão sempre derrotados, embora pareça, como pareceu no episódio de Barrabás, que tinham sido vencedores.

A Igreja vencerá, as portas do inferno não prevalecem contra ela (Mt 16.18), ela será recebida, como Estêvão, pelo próprio Senhor na glória (At 7.54,55), enquanto que seus inimigos, por vezes algozes, sem conseguirem esconder a ignomínia que praticarem contra o Senhor, pois ficarão manifestas as trevas e o clima de injustiça em que vivem e que correspondem às suas obras (Lc 23.44,48), acabarão sendo derrotados e destruídos ao final, levando consigo as sociedades que os seguirem (Ap 20.13-15).

Não foi por outro motivo que Flávio Josefo (37 ou 38-100), o grande historiador judeu, que presenciou a destruição de Jerusalém e do templo pelos romanos, disse que os zelotes, precisamente os partidários de Barrabás, eram ímpios e que foram os causadores da ruína e da destruição[3].

Por fim, Barrabás estava preso. Havia sido apanhado em seus crimes, mas a injustiça das instituições comprometidas com a maldade lhe trouxe novamente a liberdade, para disseminar suas ideias e valores que levaram a sociedade à destruição.

No mundo, que está no maligno (1 Jo 5.19), não há lugar para o Senhor Jesus. Lembremos que não houve lugar para o Senhor em Belém quando de Seu nascimento (Lc 2.7) e que, neste episódio que estamos a meditar, o povo rejeitou explicitamente ao Senhor Jesus, não O quis receber como o Cristo, pois assim foi apresentado por Pilatos (Mt 27.17,22).

O mundo rejeita o Cristo, o Salvador, mas aceita Barrabás e tudo quanto ele representa. Rejeita o Deus feito homem, mas aceita o homem que se rebela contra Deus e O despreza.

Quem escolhe Barrabás testifica que é do mundo, que está no maligno e que não tem parte com o Senhor (Mt 25.41-46).

A escolha por Barrabás revela a maldade que há no coração destas pessoas, mesmo que elas se digam religiosas, como eram todos aqueles que estavam naquela turba, pois ali estavam para celebrar a Páscoa.

Tomemos cuidado, amados irmãos, reflitamos bem no que cremos, o que buscamos e como vivemos, para que não sejamos aqueles que escolhem Barrabás e crucificam o Senhor Jesus.

* Pastor auxiliar da Igreja Evangélica Assembleia de Deus – Ministério do Belém – sede – São Paulo e colaborador do Portal Escola Dominical (www.portalebd.org.br).


[1] O Brasil preferiu Barrabás. Disponível em: https://www.ceifeiros.org.br/o-brasil-preferiu-barrabas/

[2] A mentalidade revolucionária. In: BRASIL, Felipe Moura (org.). O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, p.187

[3] “…Mostraram que eram verdadeiramente zelotes, não pelo amor das coisas justas e santas, as quais os haviam feito tomar esse nome, que eles se atribuíam tão falsamente e com que entusiasmavam os ignorantes, mas por um zelo verdadeiro e pela ardente paixão que tinham de sobrepujar, em toda espécie de crimes, os maiores criminosos, que jamais existiram sobre a face da terra. Se eles mostraram, até que excesso pode chegar a impiedade, Deus mostrou quanto sua justiça deve ser temível aos maus.” (Guerra dos judeus aos romanos, cap.32. In: História dos hebreus. Trad. de Vicente Pedroso, p. 1457. Versão digital ebooksgospel.com).

Caramuru Afonso

Evangelista da Igreja Evangélica Assembleia de Deus - Ministério do Belém - sede - São Paulo/SP, onde é o responsável pelo Estudo dos Professores e Amigos da Escola Bíblica Dominical e professor de EBD. Doutor em Direito Civil e Bacharel em Filosofia pela USP. Juiz de Direito em São Paulo