AD Belém SP Reportagens

Intérpretes de LIBRAS: Missionários Ubanos

Nas igrejas, o trabalho dos intérpretes é humanizado e não se resume ao período do culto. Eles acompanham os surdos em hospitais, audiências, entrevistas de emprego e muito mais.

O acolhimento da pessoa surda passa impreterivelmente pela pessoa do intérprete de LIBRAS. Isso em qualquer grupo social: nas escolas e faculdades; hospitais e igrejas; repartições públicas ou privadas. Sem esse intermediário a comunicação entre surdo e ouvinte, e, vice-versa, não acontece. O trabalho do intérprete tem sido cada vez mais requisitado e, porque não dizer, obrigatório. Um trabalho essencial, e que dentro das igrejas vai muito além do tempo de duração de um culto. É fazer missões.

Só no Brasil existem mais de 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva, dos quais 2,3 milhões são totalmente surdos, e, 1% apenas professam a fé cristã. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há 500 milhões de surdos no mundo, e a estimativa é que até 2050 esse contingente seja de1 bilhão em todo o planeta.

O som do coração

Priscila Mascena, intérprete há 23 anos no Ministério de Surdos Mãos Consagradas da AD Belém em São Paulo, relata algumas histórias, as quais comprovam que ser intérprete é ser missionário. “Eu participava de um curso na igreja, quando um casal de surdos se aproximou, e sinalizou que precisava conversar comigo. No fim do curso, fui atendê-los e, após fazerem muitas voltas, abriram o jogo: ‘Estou grávida’, disse a moça. ‘Tomei um chá para abortar’”. Sem titubear, Priscila acompanhou o casal ao Hospital Leonor Mendes de Barros, que fica a poucos metros da igreja.

Intérprete Priscila Macena

No hospital, Priscila acompanhou o casal. O rapaz já era membro da igreja. Durante a espera, no corredor mal iluminado do hospital, Priscila, ainda solteira, aconselhava a moça. Kleber, noivo de Priscila, fazia o mesmo com o rapaz. Foi solicitado exame de ultrassom que revelava uma gestação de quase 12 semanas. “O médico ligou o aparelho e foi possível ouvir o som do coração do bebê. Aquilo me emocionou e chorei. Interpretei para ela o que estava acontecendo, e a moça, totalmente alheia, fez pouco caso. Pedi ao doutor que aumentasse no último volume o som, trouxesse a caixa para mais próximo dela, para que ela colocasse a mão, e, por meio das vibrações do som, percebesse o que estava acontecendo ali. Foi aí que a ficha dela caiu. Quando ela colocou as mãos e sentiu a vibração do coração do bebê, começou a chorar. Após aconselharmos, oramos e só voltamos a nos ver no dia em que reapareceram em um culto para apresentar a filha, uma menina. Eles tiveram mais três”, relata Priscila.

Voz dos indefesos

Após dois meses em uma delegacia de Guarulhos/SP, Josué*, um jovem surdo, preso equivocadamente, sofria, sem condições de defesa. O rapaz já havia passado pela Fundação Casa e tinha um histórico de pequenos furtos. Mas a acusação que estava sobre ele, dessa vez era falsa. “Josué estava arredio e negava-se a conversar com outros intérpretes. Foi na minha terceira tentativa, em uma conversa em particular, que consegui comunicar-me com ele. ‘Eu roubava calota de carro’, confessou. Mas ele estava sendo acusado de roubar o carro. Com muita insistência, que durou semanas, ele me deu o nome do autor do crime. Nessa altura, o advogado e os policiais já participavam da conversa. Para chegar nesse ponto, precisei criar uma relação de amizade com ele; em outra oportunidade, a pedido da justiça, levei a namorada dele para visitá-lo e Josué foi amolecendo”, narra Priscila Mascena.

“Dois meses depois, teve a audiência e Josué foi inocentado. Foi minha primeira audiência. No dia de sua soltura, conheci sua mãe; Josué chorou muito e agradeceu-me. Sempre que dou palestras, faço questão de contar esse fato para os ouvintes, porque essa é a parte mais gratificante. Saber que meu trabalho deu fruto, que a minha mão com a minha interpretação surtiu efeito. Na igreja não é diferente; quando interpretamos, o surdo emociona-se, é tocado, sua vida é transformada; eles dão testemunho e esse é o resultado final de nosso trabalho”, finalizou Priscila.

O Ministério Mãos Consagradas na Pandemia

Intérprete Priscila Sforcin

A pandemia do novo coronavírus alterou a vida das pessoas em vários aspectos e, de forma particular, a rotina dos surdos. Aqui na Assembleia de Deus Belém, por exemplo, os intérpretes do Ministério Mãos Consagradas precisaram adaptar-se a novos meios de contato, como explica Priscilla Sforcin: “Tivemos que ajudar os nossos surdos mesmo à distância. O grupo Mãos Consagradas entrou em contato com os surdos através de vídeos-chamadas via Whatsapp”, explicou.

Apesar da tecnologia, as regras de consumo das operadoras dificultam, lembra a intérprete Zulmira: “Sabemos da limitação que os atinge, como os pacotes com baixa velocidade e poucos têm acesso a internet via computador. Estamos atuando em conjunto com igrejas que também tem o ministério com surdos para compartilhamento de ideias e trabalhos, como vídeos com determinado tema bíblico. Alguns surdos compartilham fotos, demonstrando que estão acompanhando os cultos e comentam alguns vídeos que fazemos para interação; mas essa interação ainda é muito baixa”, disse.

Além do distanciamento social, o uso obrigatório das máscaras tornou-se uma barreira na comunicação entre surdos e intérpretes. Foi preciso confeccionar máscaras diferenciadas, como disse a intérprete Zulmira: “As máscaras realmente é um dilema para os surdos que fazem leitura labial.  Alguns grupos de nossas igrejas conseguiram confeccionar máscaras com a parte dos lábios transparente. Para maior interação e compressão da fala, tentamos usar o máximo de expressões corporais e do olhar. Na sede da AD Belém, os surdos não estão comparecendo presencialmente; então não fazemos uso (da máscara) na hora da interpretação”, ressaltou Zulmira.

Interprete Zulmira Garcia

Logo que a Igreja Assembleia de Deus Ministério do Belém fechou os templos, a fim de atender a determinação do Ministério da Saúde, e passou a realizar os cultos online transmitidos pela TV AD Belém, o Mãos Consagradas solicitou imediatamente a implantação do recurso de acessibilidade comunicacional: janela de Libras. O recurso utiliza-se de uma câmera própria para a interpretação e pode ser observada sempre à direita da tela de qualquer aparelho. “A visão deles (dos surdos) depende da Libras, e são poucas as redes de televisão e outras mídias que têm essa facilidade para eles se comunicarem”, disse Priscilla Sforcin.

Como se pôde observar, o intérprete de LIBRAS exerce importante papel missionário, sem o qual seria impossível informar ao surdo sobre o plano da salvação. A intérprete Zulmira destaca a necessidade de se divulgar o trabalho dos intérpretes. “Nossa igreja sede passou a ter cultos online com interpretação simultânea para surdos. Entretanto, nas divulgações dos cultos nas mídias sociais isso sequer é mencionado. Hoje sabemos o alcance enorme que as redes sociais têm. Nossa igreja é missionaria, mas, infelizmente, o povo surdo (tem língua e costumes próprios) não é visto como uma nação a ser alcançada.  Que a ordem de nosso Senhor Jesus Cristo a cada dia ecoe nos corações de todos nós:  “Portanto ide, fazei discípulos de todas as NAÇÕES, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.9), Ressaltou.

Nos últimos anos, o Ministério Mãos Consagradas rompeu as barreiras e estendeu-se a muitos Setores além da AD Belém Sede. Hoje, existe a atuação de interpretes de LIBRAS nos Setores 03 – Lapa, 04 – Santana, 06 – Indianópolis, 07 – Guaianases, 10 – Barueri, 11 – São Mateus, 13 Suzano, 14 – JD. Ângela, 19 – Guarulhos, 26 – Carapicuíba, 34 – Pinheiros, 39 – XV Novembro, 50 – Parelheiros, 63 – Cid. Tiradente e 117 – Vl. Talaríco.