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A IGREJA ROMANA COMO SINAL DO FINAL

Imagem de Ramon Perucho por Pixabay

 Parte 2

Ao mandar Suas cartas às igrejas da Ásia Menor, o Senhor Jesus Se utiliza daquelas igrejas para dar um quadro dos seis períodos históricos que a Sua Igreja viveria sobre a face da Terra.

Na primeira parte deste artigo, vimos que a Igreja Católica Apostólica Romana é uma organização que não se confunde com o organismo que é a Igreja fundada por Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Ao se dizer “romana”, esta Igreja nega a sua própria pretensão de ser a Igreja de Jesus, precisamente porque a Igreja é una, santa, católica e apostólica, mas não romana, visto que não há qualquer evidência bíblica de que o bispo de Roma seja o Pastor Universal da Igreja, muito menos que seja o sucessor de Pedro, apóstolo que não foi constituído como “Vigário de Cristo” nem tampouco se tenham provas de que tenha mesmo dirigido a igreja de Roma.

Se não é a mesma instituição, quando terá ela surgido? Não temos condição de afirmar categoricamente.

Ao mandar Suas cartas às igrejas da Ásia Menor, o Senhor Jesus Se utiliza daquelas igrejas para dar um quadro dos seis períodos históricos que a Sua Igreja viveria sobre a face da Terra.

Assim é que, ao Se dirigir à igreja de Esmirna, que corresponde ao período das perseguições feitas pelo Império Romano contra os cristãos, tanto que Cristo diz que aquela igreja sofreria “uma tribulação de dez dias” (Ap.2:10) (e foram precisamente dez as grandes perseguições romanas contra os cristãos[1]), Nosso Senhor menciona que se formaria um grupo, a que denominou de “sinagoga de Satanás”, que se dizendo judeus, sem o ser, profeririam blasfêmia (Ap.2:9), grupo que ainda existiria quando do período final da Igreja, retratado pelas igrejas contemporâneas de Filadélfia e Laodiceia (Ap.3:9).

O Senhor Jesus já nos indica, então, o surgimento de pessoas que, se dizendo “judeus”, não o seriam, proferindo blasfêmias, ou seja, ofensas contra Deus e isto se daria entre os tempos apostólicos e o primeiro período da história retratado por estas cartas às igrejas da Ásia Menor, a igreja de Éfeso, onde ocorreria a “perda do primeiro amor” e a consequente queda de alguns (Ap.2:4,5), o que, literalmente, ocorreu mesmo na igreja efésia, como profetizou o apóstolo Paulo (At.20:29,30).

Ao se dizerem “judeus”, estariam a dizer que eram “o povo de Deus”, mas seriam falsos integrantes do povo de Deus, porque, como nos ensina Paulo, “não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne, mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm.2:28,29).

O fato é que, a partir deste período, começaram a surgir doutrinas e práticas que passaram a valorizar o “exterior” em detrimento do “interior”, a buscar o reconhecimento e a aquiescência dos homens e não de Deus, fazendo com que a doutrina cristã cada vez mais se tornasse uma “religião formalista”, como as demais que já existiam e que vieram a existir sobre a face da Terra.

Este fenômeno de transformação da verdadeira religião, aquela estabelecida por Deus, em algo falso, que tem origem no homem, não era novidade, pois isto já havia ocorrido em Israel, pois o culto a Deus em Israel havia se transformado em “seitas religiosas”, entre as quais se sobressaiu o farisaísmo, que, aliás, foi o segmento religioso que sobreviveu à destruição do templo de Jerusalém e à diáspora e que deu nascedouro ao judaísmo tal como o conhecemos em nossos dias.

Antes disso, ao término da formação do povo de Israel, vemos que, quando os israelitas saíram do Egito, com eles foi uma “mistura de gente” (Ex.12:37), que foi, inclusive, segundo os estudiosos, o segmento responsável por levar os filhos de Israel[2], quarenta dias depois de ter recebido a lei, a adotar uma “religião gentílica”, mediante a adoração ao bezerro de ouro, ou a fomentar a concupiscência (Nm.11:4), a mostrar que seu papel era, precisamente, desviar Israel da sua condição de povo de Deus.          

Desta forma, enquanto a Igreja dava mostra de toda sua fidelidade com os martírios deste período, ia-se, concomitantemente, formando uma organização que, a exemplo dos judaizantes dos tempos apostólicos (Cf. At.15:5; Gl.1:6-9), começou a trabalhar pela adoção de uma “religiosidade”, mas que, diferentemente dos judaizantes, que queriam introduzir a religiosidade farisaica na Igreja, seria uma “religiosidade sob roupagens cristãs”.

Os judaizantes dos tempos apostólicos procuravam reduzir a doutrina cristã ao formalismo religioso então existente e, agora, esta “sinagoga de Satanás” buscava reduzir a doutrina cristã ao formalismo religioso gentílico.

Quando o imperador romano Constantino permitiu a prática do Cristianismo no Império Romano, com o Édito de Milão de 313, este movimento já tinha fincado raízes e serviu perfeitamente para os propósitos políticos que haviam levado ao fim das perseguições, porquanto Roma, já enfrentando sérias dificuldades de sobrevivência como império mundial, sabia que teria de cooptar os cristãos para poder se manter, já que era parcela considerável da população que, por causa das perseguições, era mantida arredia ao governo romano.

Nesta cooptação, Roma passou a dar poderes políticos e administrativos aos líderes eclesiásticos, o que estimulou muitos a se “converterem” e este movimento já existente de prevalência do exterior em detrimento do interior foi fundamental para não só afrouxar as exigências para o ingresso de pessoas nas igrejas, como também para promover a “cristianização” de práticas religiosas, levando a uma “paganização” do culto cristão.

Assim, por exemplo, a absorção do culto a Ísis, a deusa-mãe egípcia, que logo se converteu num culto a Maria, que, a exemplo de Ísis, foi também chamada de “Theotokos” (a que carregou Deus), como Maria foi proclamada no Primeiro Concílio de Éfeso em 431, declaração que, sem ter esta intenção, acabou por dar início à “mariolatria”, que é uma das características da Igreja Católica Apostólica Romana.

O mesmo se diga com a absorção de práticas do mitraísmo, religião surgida na Pérsia e que era muito forte no exército imperial e que, por isso mesmo, acabava sendo uma religião proeminente no Império, já que o exército era a coluna vertebral da dominação romana, religião que possuía “sete sacramentos” e cuja cerimônia principal era uma refeição sacrificial em que se comia a carne e se bebia o sangue de um touro, que era o próprio deus “Mitra” que se fazia presente e que acabou levando à instituição dos “sete sacramentos” e da doutrina da transubstanciação na ceia do Senhor.

Por fim, o politeísmo típico dos pagãos, que criam em vários deuses, ainda que considerassem, máxime os romanos, um ou alguns em particular em relação aos outros (o que se denomina de “henoteísmo”), fez com que, pouco a pouco, máxime diante do respeito e exemplo dos mártires durante o período da perseguição, fosse inventado o “culto aos santos”, em que os deuses pagãos foram travestidos de “santos cristãos”, que passaram a ser considerados “intercessores”.

Este culto, inclusive, passou a se utilizar de imagens, imagens estas que acabaram por ter formal reconhecimento no Segundo Concílio de Niceia em 787, em mais uma etapa da “paganização”, ou seja, da absorção de práticas das religiões gentílicas no culto cristão.

Esta absorção de práticas religiosas tornou-se possível diante da prevalência do exterior sobre o interior, que era a principal característica da “sinagoga de Satanás”.

É de se ver que este movimento encontrou um grande fator de apoio a partir do momento em que se permitiu o batismo de crianças, o que nada mais era que transformar o batismo em ato meramente formal e exterior, feito, inclusive, independentemente da consciência das pessoas, de modo que se permitiu a consideração de pessoas não convertidas como sendo cristãs e, inclusive, com pleno acesso a posições de liderança.

O batismo infantil já é mencionado como prática existente, do “costume da igreja”, desde o século III[3], a nos mostrar, portanto, como a “sinagoga de Satanás” já operava no período das grandes perseguições.

A “cereja do bolo” desta “paganização” foi a concessão do título de “Máximo Pontífice” ao bispo de Roma, ou seja, o dirigente da igreja cristã de Roma, que era o título dado ao sumo sacerdote da religião romana e que foi concedido ao imperador romano desde o primeiro deles, César Augusto.

Dâmaso teria sido o primeiro a utilizá-lo, depois que o imperador Graciano fez a concessão em 376, embora aceitasse apenas chamar-se de “Pontífice”, já que “Máximo” só seria Jesus.

É interessante notar, aliás, que este título de “Máximo Pontífice” oriundo do início da história romana, confundiu-se com o título de “Sumo Pontífice da Ordem Babilônica”, que era o líder da religião babilônica, que havia sido cedido ao rei de Pérgamo pelos sacerdotes babilônicos, quando estes fugiram na queda do Império Babilônico, título que foi transferido ao líder romano, pelo rei Atalo, quando Pérgamo caiu sob domínio romano em 133 a.C[4].

Tem-se, pois, que se pode considerar, pois, 376 como o ano em que, efetivamente, se estabelece a Igreja Católica Apostólica Romana, tendo como chefe o bispo de Roma, que se tornou o legítimo herdeiro da religião babilônica, do sistema que é diametralmente contrário à Igreja de Cristo, a chamada “Babilônia mística” ou “Babilônia religiosa”, que é descrita no capítulo 17 do livro de Apocalipse.

Trata-se do “mistério da injustiça” (Cf. II Ts.2:7), que foi construído desde a entrada do pecado no mundo, que dá nascedouro ao “mundo”, este sistema que está no maligno (I Jo.5:19).

Este sistema religioso rebelde anda de braços dados com a “Babilônia política”, que é o sistema político rebelde a Deus que tem sua origem na comunidade única pós-diluviana, que levou o Senhor a confundir as línguas, ocorrida precisamente em Babel, que é Babilônia (Gn.11:1-6).

Aliás, esta “sinagoga de Satanás” era também ávida por conquistar o poder político, o “poder temporal”, sendo, na verdade, um grupo que cedeu à tentação de Satanás, que já tentara o Senhor Jesus oferecendo-Lhe todos os “reinos do mundo” em troca da adoração a ele (Cf. Mt.4:8,9).

Esta “sede de poder temporal” explica, e muito, o desvirtuamento ocorrido no meio da Cristandade e é um dos pontos relevantes para a constituição e manutenção da Igreja Católica Apostólica Romana, que deu, inclusive, ao Papado a “teoria das duas espadas”, formalizada em 1302 com a bula “Unam Sanctam” do Papa Bonifácio VIII, que afirmou que o Papa possuía tanto o poder espiritual quanto o poder temporal, ou seja, que as autoridades políticas somente seriam legítimas se fossem confirmadas pelo Papa.

Não é por outro motivo, aliás, que, no sonho dado a Nabucodonosor, fosse Babilônia “a cabeça da estátua” (Dn.2:36-38), ou seja, a própria “mente”, o próprio “controle” de todo o sistema.

É precisamente desta “Babilônia mística” que trata o capítulo 17 do livro do Apocalipse, a mulher que ali é retratada.

É exatamente por isso que a história desta organização interessa a todos quantos se debruçam sobre as profecias bíblicas, porque é ela um sinal profético, de modo que se deve, mesmo, apreciar a sua evolução ao longo dos séculos, e se explica, inclusive, a sua longevidade, pois é organização que, pelas Escrituras, por pertencer à “Babilônia”, somente terá seu fim quando do estabelecimento do reino milenial de Cristo, conforme a interpretação do já mencionado sonho dado a Nabucodonosor (Dn.2:31-45).

É o que procuraremos fazer na continuidade deste artigo.

Pastor Caramuru Afonso Francisco auxiliar da Igreja Evangélica Assembleia de Deus – Ministério do Belém – sede – São Paulo e colaborador do Portal Escola Dominical (www.portalebd.org.br) .


[1] A própria tradição católico romana admite serem dez as grandes perseguições. Cf. BONI, Luís Alberto de. O estatuto jurídico das perseguições dos cristãos no Império Romano. Disponível em: https://www.scielo.br/j/trans/a/YF9bbyQYs74GKMwJGRxJLxH/?lang=pt# Acesso em 07 jan. 2023.

[2] É a opinião, por exemplo, de Moisés Alchisch (1508-1593), “in verbis”: “O pecado do Bezerro de Ouro foi orquestrado pela grande mistura de convertidos egípcios que se juntaram ao povo judeu. Por isso, Moshé [Moisés, observação nossa] disse a D’us:’Não fique bravo com o Seu povo’ [Ex.32:7, observação nossa], uma vez que os culpados não foram os judeus, mas a mistura dos povos.” (MILLER, Chaim. Chumash, livro de Êxodo. Trad. Miriam Nurkin Friedman. São Paulo: Maayanot, 2009, p.240).

[3] Orígenes, em homilia datada de 244, menciona este “costume” de batizar crianças, assim como o Concílio de Cartago, em 253, critica o ensino de que se deveria aguardar a criança completar oito anos de idade para que houvesse o batismo.

[4] STEVENS, John Robert. Princípios Elementares de Doutrina, Sepulveda, Cal. EUA, 1959, p. 46  apud ALMEIDA, ABRAÃO de. Babilônia, ontem e hoje, Rio de Janeiro; CPAD, 1982, p.33.

Caramuru Afonso

Evangelista da Igreja Evangélica Assembleia de Deus - Ministério do Belém - sede - São Paulo/SP, onde é o responsável pelo Estudo dos Professores e Amigos da Escola Bíblica Dominical e professor de EBD. Doutor em Direito Civil e Bacharel em Filosofia pela USP. Juiz de Direito em São Paulo