Ceifeiros Geisel de Paula

Creia na promessa, mas continue andando pela fé

Imagem de StockSnap por Pixabay

Texto base:

“Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn12.1-3).

O homem por trás da história

            Abraão é, a meu ver, um dos personagens mais espetaculares da Bíblia Sagrada. Não é à toa que seu nome é altamente reverenciado no Judaísmo (na Torah), como pai da nação hebreia (Gn.50.24), no Cristianismo (Novo Testamento), como o pai da fé (Gl.3.7)e no Islamismo (Alcorão) como pai das nações árabes, em Ismael. Mas eu quero apenas ressaltar a visão do apóstolo Paulo em relação a esse grande homem de Deus. O pai daqueles que creem. É disso que quero falar antes de entrar em seu chamado especificamente.

            Admiro bastante alguém fazer muito com tão pouco. Pessoas com apenas uma ideia na cabeça e sem nada no bolso fizeram coisas inacreditáveis. Falando da minha área, dentro da Teologia, considero Santo Agostinho de Hipona. Era um teólogo e filósofo que viveu no século IV. Desenvolveu muitas doutrinas que debatemos hoje, praticamente do zero. Uma coisa é você falar sobre a doutrina do Espírito Santo, por exemplo, a Pneumatologia; e dissertar sobre o que os autores já discorreram sobre essa pessoa gloriosa da Trindade, que se encontram em livros, vídeos e gravações sobre o tema; outra completamente diferente, é estudar quase a partir do zero, do assunto escolhido, e foi exatamente isso que Agostinho fez sobre temas como a Trindade, por exemplo. Ele foi um dos primeiros a desenvolver esta temática, que é assunto em nossas mesas de debate hoje em dia.

            Abraão em minha opinião foi além. Vivendo em um mundo mergulhado no politeísmo, pois o pecado já havia entrado no mundo, seu nascimento e seu chamado, aos 75 anos, acabaram por desenvolver a partir daí a fé em um só Deus. Foi assim, porque Deus se revelou a ele como único Senhor, mas Abraão é uma pessoa admirável, pois aceitou o desafio de adorar a apenas um Deus. Entre o alvorecer da idolatria (em minha opinião com Ninrode, cerca de 300 anos antes), e o seu chamado, a terra se tornou totalmente politeísta, ou seja, todos adoravam vários deuses, a ponto de Josué dizer que até os pais de Abraão eram idólatras (Js.24.2). O texto não afirma categoricamente, mas dá a entender que até mesmo Abraão era idólatra. Alguns estudiosos dentro do Judaísmo vão informar que a família de Abraão enriqueceu com a fabricação de ídolos, o que se coaduna com o senso de humor do Todo-poderoso, ao chamar um fabricante de ídolos e idólatra para servir a um só Deus.

            Então Abraão vira monoteísta em um mundo politeísta. Antigamente, a tradição era oral, ou seja, os valores eram passados de boca a boca, dos pais aos filhos. Mas, como as pessoas viviam muito nessa época, o ‘telefone sem fio’ era mais crível. Para se ter uma ideia, Adão, pai de toda a humanidade, viveu 930 anos e foi contemporâneo de Matusalém, que detém o recorde registrado de viver 969 anos; sendo contemporâneo de Sem, filho de Noé, que viveu aproximadamente 600 anos (dos quais, 500 após o dilúvio), e foi, na minha opinião, contemporâneo do próprio Abraão. Então, nós temos uma corrente com apenas três elos, ligando cerca de 2.000 anos. Impressionante, não é mesmo? Essa foi a tradição que Abraão recebeu de seus antepassados, e bastou para que ele se dispusesse a desenvolver sua fé, sem:

1. Bíblia;

2. Comunidade de crentes;

3. Templo;

4. Liturgia pré-estabelecida;

5. Sacerdotes;

6. Hinódia para adoração;

7. Testemunhos vivos (com exceção de seu encontro com Melquisedeque).

É por isso que considero tanto esse homem de Deus, uma grande figura de seu tempo.

A fé do patriarca como modelo

            Abraão é um proto-crente. Ele é o primeiro de uma série. Uma espécie de protótipo daquilo que viria a ser um crente em Deus, pela fé. Não que a fé não existisse antes de Abraão, mas ela com certeza foi aperfeiçoada nele (Rm.4.1-3,9,13,16). Por isso, ele é nosso pai na fé, de todos os que se achegam a Cristo. Ele é um verdadeiro modelo de fé.

            Em Gênesis 11, após o fatídico episódio da Torre de Babel, a humanidade foi espalhada por sobre a face da Terra, e começaram a habitar onde os historiadores chamam de crescente fértil, que, da ponta da foz do rio Nilo, subindo até a Síria e Turquia, até a outra ponta, desaguando no Golfo Pérsico na Caldéia (hoje Iraque), existia uma cidade de nome Ur, onde alguns descendentes de Sem moravam. Na linhagem temos Naor (iluminado), que aos 29 anos gerou Terá (estação), vivendo quase até os 150 anos. Terá, por sua vez, aos 70 anos de idade, gerou a Abrão (pai elevado), Naor e Harã (ressecado). Esse Naor, que levou o nome do avô, sabemos muito pouco, mas sabemos que Harã morreu cedo, depois de gerar seu filho Ló (véu), antes de seu pai, Terá. Abrão se casou com Sarai (minha princesa), que até então era estéril. Terá, então, parte com Abrão, Sarai e Ló em direção a Canaã (cerca de 800 km em linha reta), mas acaba em Harã, (850 Km ao Norte), fixando-se ali. Foi ali também que Terá morreu. É somente a partir daí, que Deus inicia um diálogo com Abrão. Ele tinha cerca de 75 anos de vida, quando esse relacionamento se iniciou e perdurou por cem anos, até sua morte, em Hebrom (comunhão). Foi exatamente essa qualidade que ele atingiu por andar com Deus.

O chamado para andar pela fé

Deus, em seu discurso, tem alguns direitos e deveres para relatar a Abraão. O chamado proposto envolve um alto grau de fé, a saber:

  1. Sai da tua terra (ele já havia saído de Ur);
  2. E da tua parentela (quase cumprido, com exceção de Ló, seu sobrinho);
  3. E da casa de teu pai (que aparentemente já havia morrido);
  4. Para a terra que vou te mostrar (ou seja, um passo no escuro, dado apenas na fé).

Deus chama Abrão para andar com ele (Gn.17.1),para que se conhecessem melhor, não porque Deus precisasse conhecer a Abrão, mas porque Abrão necessitava conhecer o Deus que ele resolvera servir, com mais intimidade, e, para isso, era necessário caminhar juntos. A fé demanda esse tipo de atitude, de crer naquilo que não se pode enxergar, que não é palpável, que nos obriga a aguçar nossa visão espiritual em um mundo natural.

A Terra Prometida não foi mostrada em um mapa, uma planta ou uma região. A terra ainda seria mostrada, no caminho e não antes de partir. Um passo de fé foi necessário, um salto no escuro, para que a confiança de Abraão em Deus fosse assim estabelecida e fortalecida. Não adquiriremos uma casca grossa recebendo apenas benesses, mas sim em meio a lutas e perseguições, dúvidas e incertezas, para que nossa fé seja edificada naquele que pode todas as coisas. O resultado de nosso relacionamento não está no fim, e muito menos no começo. Está no caminho; e é no caminho que aprendemos a desenvolver nossa fé em Deus, olhando com olhos espirituais em um mundo visível. Essa é a nossa batalha diária, o que chamo de verdadeira espiritualidade.

Precisamos pensar que, como homens, o futuro não nos pertence. O dia do amanhã é uma incógnita. Precisamos aprender a descansar nos braços do Todo-poderoso, a confiar que Ele sempre tem o melhor para cada um de nós, mesmo quando não vejo, não sinto, não escuto, não cheiro e nem toco, mas, ainda assim, caminho na direção de encontrar, porque creio pela fé que está lá. Não é fácil, mas é o que Deus exige de cada um de nós.

A Promessa

            Quando Deus dá uma ordem, quase sempre ela vem acompanhada de uma benesse, ou de várias, a saber:

  1. Você vai virar (ser pai de) uma nação;
  2. Você será abençoado;
  3. Seu nome será grande;
  4. Você será uma bênção;
  5. Abençoarei a quem te abençoar;
  6. Amaldiçoarei a quem te amaldiçoar;
  7. Em ti, serão benditas todas as famílias da Terra.

Perceba que a lista de bênçãos é maior do que a lista de obrigações. Com Deus é assim. Já pensou você virar um país? Ser abençoado? Ser uma bênção? Que todos a sua volta, que queiram seu bem, sejam abençoados também? E a maior de todas as promessas: nele, espiritualmente, todo o globo terrestre receber benesses do Deus Criador. Forte demais! Alto demais! Extraordinário demais, não acha? Promessas feitas por Deus a Abraão, e quando Deus promete, cumpre; só que isso tudo no tempo dele.

Qual é o problema dessas promessas para nós, seres humanos caídos? É que geralmente as promessas de Deus obedecem ao kairós (tempo oportuno), mais do que o chronos de nosso relógio. Parece-me que os juízos se manifestam muito mais rápido do que as promessas. Perceba: no capítulo 18 de Gênesis, três varões aparecem a Abraão, nos carvalhais de Manre; uma teofania do próprio Deus (Jesus) e dois anjos do Senhor. Abraão sabe do que se trata; por isso, cuida bem deles e prepara um almoço. Eles comem, e sem que tenha acabado de conversar ainda, os dois anjos já partem para Sodoma, deixando Abraão intercedendo junto ao terceiro ser. Sem mais delongas. Já a promessa, essa demorou praticamente 25 anos para acontecer. Interessante, não? Se você tem promessa de Deus, é bom que esteja ciente de que ela acontecerá no tempo dele e não no nosso.

Pergunta: Abraão serviu a Deus por causa da promessa ou por obediência em fé? O que chamou mais a atenção do patriarca? Ser uma nação ou caminhar sem saber para onde ia? Antes de voltarmos para a vida de Abraão, preciso perguntar, a fim de fazer a devida aplicação desta mensagem: E você, serve a Deus por causa da promessa ou por obediência? Sua resposta vai mostrar o tipo de relacionamento que você tem com o Criador. Vai mostrar se a relação é de barganha e interesse ou é pessoal e íntima, uma relação entre pessoas e não coisas. E isso faz toda a diferença em nossa vida cristã e no mundo espiritual.

O âmago da questão

            Saiba, porém, de uma coisa: aqueles que servem a Deus pelas promessas, serão confrontados um dia, serão provados, para saber se sua intenção para com Ele é verdadeira ou não. Foi o que aconteceu com o patriarca Abraão. Depois de muitas peregrinações na terra, um dia, Deus falou com Abraão: “Abraão, oferece teu único filho, Isaque, no monte que eu te mostrar, pra mim (O nome Moriá veio depois do acontecido). Mas será possível! Depois de tudo o que passei? Agora que a promessa está cumprida? Voltar a estaca zero? Começar tudo de novo? Será que Abraão teve dúvidas? Será que ficou apreensivo? Abrão não era uma espécie de super-homem. Ele era como nós. A Bíblia não relata, mas existem alguns pormenores que podemos perceber. Aparentemente, não comunica sua decisão para a esposa. Levantou de madrugada e saiu de fininho com Isaque e mais dois moços. Não fala nada com Isaque, que na ocasião já é jovem e entende as coisas. Ele se limita a dizer: “Deus proverá’. Quem disse que seria fácil?

            Três dias de caminhada! Preciso dizer que concordo com o cantor e compositor Alceu Pires, que, em seu hino Abraão e Isaque, relata um pouquinho do que deve ter passado na mente e no coração de Abraão na ocasião da caminhada até o Moriá:

Cabisbaixo, e pensativo ele vai
É normal os sentimentos de um bom pai, segue adiante
Cada toque do seu cajado no chão
Lhe doía, mas o velho coração, mas confiante

            Preciso dizer que a confiança de Abraão era impressionante. Olha o que ele diz para os moços que os acompanham: “Eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós”. Iremos e voltaremos, diz Abraão. Deus havia pedido um holocausto. Essa palavra hebraica significa queimar até o fim. A oferta deveria ser morta, através de um corte na jugular, depois esquartejada, ter seu sangue aspergido, depois queimada a fogo, e a fumaça que subia em direção ao Céu, era o que Deus recebia como cheiro suave. Então, isso nos faz crer que Abraão acreditava que, ao imolar Isaque, a fumaça viraria cinza, que viraria carne e músculos de novo, juntando cada pedaço ao seu, e Deus o ressuscitaria dos mortos, a fim de que Isaque pudesse voltar com ele para casa. Aleluia!

            Quando, por ocasião do último momento, Abraão ia descer o cutelo no golpe derradeiro sobre o pescoço de Isaque, o anjo do Senhor lhe bradou: “Abraão! Agora sei que me serves por obediência, e não pela promessa apenas”! O que Deus requereu de Abraão, pode requerer de cada um de nós, e a pergunta que não quer se calar é: Você está preparado para provar no mundo espiritual que sua relação com Deus está baseada na obediência pela fé mais do que nas promessas? Que em nós possa ser achada a fé de Abraão!

Atingindo a maturidade espiritual

            Deus não tem pedido muito. O que Ele pede, é para que coloquemos nosso Isaque no altar, em total entrega, em uma atitude, um gesto de adoração para aquele que nos deu a promessa. Não se faz necessário em nosso relacionamento com Deus, matar a promessa. A promessa pode ficar viva. Olhe pra trás. Já tem um cordeiro para o sacrifício! Jesus já pagou o preço, para que nós conquistássemos nossa maior vitória! A promessa não precisa morrer; ela só precisa estar no altar de Deus, para que você possa dizer: “Não estou aqui por causa dela. Estou aqui por sua causa”. Creia nas promessas de Deus! Mas, enquanto elas não chegam, enquanto elas não se cumprem em nossas vidas, continue andando pela fé; continue caminhando no conhecimento de Deus, continue na jornada da revelação de Deus a nós, pois a fé exige esse tipo de passo no escuro; mas não tem nada deste lado da vida, mais arrebatador do que conhecer a Deus e condicionar-se ao seu querer, ao seu tempo, ao seu amor. Se Deus não nos bastar, nada que recebamos dele fará a menor diferença. Deus basta! Creia!

Geisel de Paula

Geisel de Paula é repórter do site e jornal Ceifeiros em Chamas, bacharel em teologia pela Faesp.