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O Verbo se fez carne

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Todos nós conhecemos esta expressão, registrada no Evangelho de João: “O Verbo se fez carne” (1.14). Ela faz referência ao fato de que Jesus Cristo é a palavra que assumiu a forma humana. O texto grego traz exatamente ho logos (“a palavra”) sárx (“carne”) egéneto (“se fez” ou “se tornou”).

Quando um texto é muito conhecido como esse, por vezes, não chegamos a perceber sua complexidade. Se alguém dissesse que, na cozinha de uma pessoa, alguém falou uma palavra e ela se fez carne, o que a pessoa iria compreender? Será que ela iria pensar num ser humano, ou iria lembrar das compras feitas no açougue? A palavra grega sárx tem essa diversidade de sentidos, ou, em linguagem técnica, denotações (“carne”, “pessoa”, “ser humano”). Ela também pode ter conotação positiva, como em João 1.14, ou pode ter conotação negativa, quando se fala, por exemplo, dos “frutos da carne”, na Carta de Paulo aos Gálatas.

“O Verbo se fez carne” é uma expressão que ilustra como, por vezes, é difícil fazer uma tradução que seja compreensível. O verbo da frase, egéneto, sempre é traduzido ou por “se fez” ou por “se tornou”. Mas o substantivo sárx é traduzido por “carne” ou “ser humano”.

Traduzir, portanto, é uma arte não muito simples. Para traduzir, é necessário muito conhecimento das línguas originais, muito conhecimento da língua para a qual o texto é traduzido e, acima de tudo, a dependência do Espírito Santo.

Por isso, agradecemos aos tradutores da Bíblia. E agradecemos também aos pastores e mestres que nos ajudam a entender essas diferenças e sutilezas. E, graças a isso, podemos saber que quando o evangelista João disse que “o Verbo se fez carne”, o Verbo era Jesus Cristo, que, ao nascer, sendo Deus, se tornou verdadeiro homem. Em Jesus, temos o centro da Palavra de Deus. Em Jesus, temos o Deus visível (Cl 1). Em Jesus, temos o Deus-homem, o nosso Salvador. É isso que celebramos no Natal.

No mês de dezembro, faz-se muita referência ao Natal. A história do nascimento de Jesus é contada em pregações, escolas bíblicas, filmes e canções. Mas nem sempre unimos isso de imediato com o que o evangelista João nos ensinou. O nascimento de Jesus é a Palavra, o Verbo que se fez carne, ser humano. Jesus e Palavra estão juntos. Quando a Palavra de Deus vem a nós, Jesus vem a nós. A mensagem central da Bíblia, a Palavra de Deus, é Jesus Cristo. Em outras palavras, a Bíblia é “Cristocêntrica”.

É bom lembrarmos disso o ano inteiro. Quando lemos a Bíblia, quando ouvimos a Palavra de Deus, Cristo vem a nós. O Verbo que se fez carne, que nasceu, que cumpriu a lei em nosso lugar, que morreu e ressuscitou, ele é o nosso Salvador e Senhor. Jesus Cristo está conosco quando a Palavra está conosco. Não é a presença física de um livro chamado “Bíblia”. Mas é a presença da Palavra de Deus em nossa mente e coração. Aí estará acontecendo o que o nome Emanuel significa: “Deus conosco”.

Neste breve artigo, começamos a falar da dificuldade da tradução bíblica. Depois vimos como essa pequena expressão, tão difícil de entender no começo, começa a se encher de sentido e trazer Deus para junto de nós. É assim que Deus age em nós por meio da sua Palavra. Talvez, no começo, a gente não chegue a entender tudo. Mas Deus segue agindo. E, pelo Espírito Santo, ele nos traz sentido, consolo, esperança e vida. É isso que a história do nascimento de Jesus faz. A leitura da Bíblia também provoca isso em nós.

E o que podemos aprender de tudo isso? Vale a pena ler, reler e estudar a Bíblia Sagrada. Vale a pena ouvir a Palavra de Deus. Vale a pena fazer dessa Palavra uma companhia constante para a nossa vida. Porque “o Verbo se fez carne” e habitou entre nós, desejo a todos os leitores desta coluna um abençoado Natal e um Ano-Novo na presença de Deus.

Erní Walter Seibert

Erní Walter Seibert é diretor executivo da Sociedade Bíblica do Brasil, dourtor em ciências da religião e diretor do Museu da Bíblia.